Continuo Preta #Resenhista convidada
Uma das maiores intelectuais públicas do Brasil, referência histórica do movimento negro, biografada por uma das mais promissoras vozes da nova geração.
Sueli Carneiro é uma das principais intelectuais públicas brasileiras. Em mais de quarenta anos de ativismo, ela vem combinando escrita, academia e intelectualidade para qualificar uma luta política que enegreceu o feminismo no Brasil e, ao mesmo tempo, colocou as mulheres como protagonistas do movimento negro.
“Entre a esquerda e a direita, sei que continuo preta”. Mais do que célebre, a tirada proferida por Sueli Carneiro sintetiza um lugar político fundamental para o movimento negro brasileiro. E sua vida oferece o desenho exemplar dessa posição.
Para dar conta de uma longa trajetória política, que se confunde com a própria história do Brasil pós-redemocratização, a jornalista Bianca Santana realizou dezenas de horas de entrevistas e empreendeu uma escavação documental cuidadosa nesta biografia que é, a um só tempo, tributo à caminhada de Sueli Carneiro, repositório de informação sobre a luta das mulheres negras no Brasil e, por tudo isso, preciosa fonte de inspiração para as futuras gerações.
Resenha Sandra Martins
Sabe aquela aula de história sobre o movimento negro no Brasil que todos deveríamos ter tido na escola e que nunca tivemos? Hoje temos a chance de tê-la ao ler a biografia de Sueli Carneiro escrita por Bianca Andrade.
Se você já ouviu falar no Instituo Geledés, no movimento feminista negro e no tribunal Winnie Mandela, foi por causa de Sueli. O livro conta desde a origem de sua família nas fazendas de café até hoje, com a referência e importância que Sueli tem para o movimento negro do Brasil, da América Latina e para nossa história.
A biografia esmiuçou muitos aspectos da vida dos Carneiro, desde o casamento rígido de Dona Eva, aos percalços enfrentados para as crianças estudarem, ao preconceito sofrido, à oportunidade de ter um emprego bom sendo aprovados em concursos, já que eles não pediam a famigerada “boa aparência” (que infelizmente existe até hoje). Depois de aprovados, os concursados negros eram colocados em funções em que não lidassem com o público. Um dos vários absurdos cometidos no Brasil, mas que não era visto como tal por causa do mito da cordialidade racial brasileira, que abarcava todas as raças. Isso na teoria, porque na prática existia um racismo velado e nos dias de hoje, explícito.
Além dessa parte ingrata de um país chamado Brasil, também temos a vida pessoal de Sueli. Seu casamento com Maurice, o nascimento da filha Luanda, seus estudos na área da Filosofia, seu engajamento no movimento negro, os encontros com Nelson Mandela, Lélia Gonzales, Abdias do Nascimento, Ruth de Souza e Cidinha da Silva, que seguiu os passos de Sueli no Geledés e mais tarde saiu para se dedicar aos seus livros.
Sueli trabalhou com os conceitos de epistemicídio e necropolítica e foi a pessoa responsável por enegrecer o feminismo brasileiro. Levantando a bandeira da inclusão das mulheres negras e indígenas na causa feminista, tornando-a mais ampla e justa ao inserir todas. Bianca Santana nos entregou um livro de extrema importância para todos. Uma obra necessária e imprescindível nos dias de hoje. E para mim, incentivou-me a procurar mais sobre os trabalhos de Sueli e de Bianca.
E tem muito mais na biografia do que podemos citar aqui. Foi uma leitura extremamente feliz e que me fez pensar mais ainda. E sempre que puder indicar, o farei.
“Entre a direita e a esquerda, sei que continuo preta.”
Viva Sueli Carneiro!